O invisível assédio sexual nosso de todos os dias
por Juíza Rejane Jungbluth Suxberger
— publicado há 3 anos
A pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres
no Brasil” realizada pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, com patrocínio da Uber, concluiu em sua terceira edição
que, durante a pandemia de COVID-19, 5 em cada 10 brasileiros (51,1%) relataram
ter visto uma mulher sofrer algum tipo de violência no seu bairro ou
comunidade. A mesma pesquisa indicou que 73,5% da população brasileira acredita
que a violência contra as mulheres cresceu durante a pandemia, assim como a
precarização das condições de vida no último ano é maior entre as mulheres que
sofreram violência. A residência segue como o espaço de maior risco para as
mulheres e 48,8% das vítimas relataram que a violência mais grave vivenciada no
último ano ocorreu dentro de casa.
Com o assédio sexual não foi diferente. 37,9% das
brasileiras foram vítimas de algum tipo de assédio sexual nos últimos 12 meses,
o que equivale a 26,5 milhões de mulheres. O assédio mais frequente são as
cantadas ou comentários desrespeitosos nos espaços públicos (31,9% das mulheres
foram vítimas, ou seja, 22,3 milhões). Na sequência, aparecem as cantadas ou
comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho, que atingiram 12,8% das
entrevistadas, e o assédio no transporte público para 7,9% das respondentes.
Recentemente algumas notícias circularam no país sobre o
assédio sexual de homens brasileiros ocorridos em lugares públicos e no
ambiente de trabalho. Uma frase ofensiva, um olhar obsceno, toques no corpo da
mulher são experiências vividas por grande parte das brasileiras. No entanto, o
assédio sexual ainda é invisível. A maneira velada com que ocorre, camuflado
sob o manto dos elogios, sussurrado ao ouvido ou misturado à multidão,
normaliza a conduta violenta, assim como torna a palavra da vítima contestável.
O mundo é organizado em oposições, dentre as quais estão o
masculino e o feminino. A normalidade em que se organiza a convivência e as
relações sociais é construída por uma cultura de homens que faz com que o
masculino seja universal e o feminino, algo particular, em que as mulheres
servem de sustento e apoio desse modelo. Há uma dupla discriminação estrutural
das mulheres: de um lado, consideradas por sua condição, valem menos e sua
capacidade é menor. De outro lado, elas são situadas em espaços e funções inferiores
sob a supervisão e o controle dos homens (isso tanto no espaço privado quanto
no espaço público).
Esta divisão é baseada numa relação hierárquica. A dominação
masculina no mundo social se justifica pela “ordem das coisas”, na qual se
naturalizam as relações de dominação e as diferenças socialmente estabelecidas
entre os sexos. De igual modo, na vida cotidiana, a ordem masculina dispensa
qualquer justificativa e a visão androcêntrica é imposta como neutra. Essa
dominação do homem sobre a mulher é um exemplo por excelência da submissão
paradoxal chamada de violência simbólica, aquela invisível para as vítimas e
que se exerce pelas vias simbólicas da comunicação e do conhecimento.
Essa violência é definida como legítima e não reconhecida
como violência. Apresenta-se em situações moderadas de dominação que ganham
adesão dos dominados. “Violência” porque, por mais branda que seja, não deixa
de exercer uma agressão aos (às) que a sofrem. “Simbólica” porque exercida na
esfera da significação ou, mais precisamente, do sentido que os dominados
conferem ao mundo social e a seu lugar nesse mundo. É tão ofensiva e perigosa
como a violência física, já que não necessita de justificação e se apresenta
como predisposição natural do indivíduo.
Na dominação masculina, a violência simbólica aparece como
uma violência oculta, que é operada por meio da linguagem, do comportamento e
da representação. Além de se impor por meio do poder e da cultura, sua peculiar
maneira de domínio auxilia as relações de forças. A violência simbólica,
explicitada por Pierre Bourdieu e outros, tem origem na divisão sexual do
trabalho de produção e reprodução biológica e social, que confere aos homens a
melhor parte. Sua presença se transforma em esquemas previamente estabelecidos
e universais numa sociedade. A opressão sexual, por exemplo, é efeito da
violência simbólica. Outra consequência da violência simbólica é a
representação androcêntrica investida no senso comum, dóxico, plasmado ao
sentido das práticas.
No assédio sexual, a virilidade dos homens está em prova,
associada à força e à potência sexual. As manifestações da virilidade se situam
na lógica da aventura, da façanha, que engrandece e exalta as ações realizadas
na esfera pública, a fim de reafirmar e manter sua condição de grupo dominante.
O homem é socializado para dominar a mulher e a violência resulta dessa
socialização machista. A mulher, por sua vez, em razão da socialização de
submissão aos comandos masculinos, submete-se à violência como destino natural
e imutável, desconsiderando que se encontra numa relação desigual de
poder.
O assédio sexual nem sempre tem como fim a posse sexual, mas
a mera afirmação de dominação. É utilizado como instrumento para o qual o homem
prova aos seus pares, que ele é mais viril do que os demais e que ele está numa
posição dominante, o que lhes permite realizar essas ações publicamente e com
impunidade. O entendimento do que se considera “violência contra mulher” é uma
construção histórica do movimento feminista. No campo do Direito, Catherine
MacKinnon teorizou a violência contra as mulheres encontrando resposta na
dominação a partir da construção social da sexualidade da perspectiva
masculina. A questão da igualdade é uma questão de distribuição de poder, assim
como o gênero que está fortemente ligado à supremacia masculina e da
subordinação feminina. Essa contribuição feminista provocou uma mudança na
compreensão da sexualidade e das relações entre homens e mulheres ao
identificar a violência sexual como um elemento importante na manutenção da
subordinação das mulheres.
A tarefa do feminismo consiste em descobrir e desarticular
as diversas formas de manutenção da violência contra as mulheres. Sob uma
perspectiva crítico-feminista, por exemplo, as causas de violência de gênero
foram identificadas e analisadas sob o viés das questões estruturais e sociais
que permeavam as condutas de homens e mulheres como normas naturais e
generalizadas. A violência de gênero não podia ser entendida como um fato
isolado, mas como um reforço da posição masculina de domínio, que se mantinha perpetuado
na vida político-social das sociedades, em que a autoridade de um sexo sobre o
outro se apresenta como estrutura central da relação.
Numa sociedade supostamente igualitária, como explicar que
homens ainda continuem a assediar sexualmente as mulheres? Os corpos femininos
são livros abertos em que se escrevem as regras dos pactos patriarcais, e por
consequência, a violência. O sistema socializador do domínio masculino exerce
um rigoroso controle sobre as ações e movimentos da mulher no espaço público.
Em situações de violência sexual, por exemplo, é comum a introdução do medo na
socialização das meninas ou a sua culpabilização na hipótese de agressão.
A socialização nos valores e normas patriarcais é tão
perfeita que mesmo após anos de luta do feminismo, ainda existe quem defenda
estereótipos de comportamentos como sendo livremente eleitos. A ruptura de
modelos como: “os homens são mais violentos”, “a prostituição é impossível de
erradicar”, “as mulheres gostam de homem agressivos”, exige um esforço para que
ocorra uma notável desintoxicação ideológica, pois a sociedade se resignou com
mandatos de gênero e com a violência que passa desapercebida. Exemplo disso é o
assédio sexual que ainda é interpretado como uma série de incidentes sem que
haja compreensão do fenômeno estrutural que ele representa.
Por meio dos movimentos e teorias feministas, como ocorreu
com a “Política Sexual” de Kate Millett (1974) e “Against our will” de Susan
Brownmiller (1981), a violência contra as mulheres passa a ser visualizada como
violência estrutural sobre o coletivo feminino, no qual reproduz o sistema de
desigualdade sexual e o medo condiciona o comportamento cotidiano das mulheres,
no sentido de que todas são vítimas. A mensagem que essas autoras feministas
transmitem é: “uma mulher sozinha está em perigo”. E isto funciona como um
mecanismo eficaz para retê-las no espaço que o patriarcado sempre lhes
atribuiu: o espaço privado. Todavia, o espaço privado também está comprometido
e é atualmente o lugar de maior risco para a mulher.
O movimento feminista que se ocupa da violência sofrida
pelas mulheres tem perseguido um único objetivo que é proteger a vítima
mediante a utilização da justiça. Contudo, há uma tensão entre o
conservadorismo e machismo judicial e as propostas feministas, que se deparam
com um novo desafio: apresentar ao sistema de justiça meios que sejam capazes
de alterar a visão misógina de julgamento dos processos que envolvem questões
de gênero. Avançar diante da complexidade das relações e dos retrocessos na
política brasileira, significa aperfeiçoar mecanismos que possibilitem às
mulheres uma nova cidadania política. O desconforto teórico de um pensamento
crítico sobre as epistemologias das ciências sociais e jurídicas que ainda
apresentam a dicotomia “razão” e “sensibilidade” – que reflete a oposição entre
masculino e feminino – precisa continuar sofrendo mudanças. Essa mudança
somente será possível quando a reprodução tradicional e inquestionável do poder
for reconhecida e modificada.
Rejane Jungbluth Suxberger
Juíza de direito, Titular da Vara de Violência Doméstica de
São Sebastião/DF; Mestre em Direito pelo UniCeub. Máster em gênero e igualdade
pela Universidade Pablo de Olavide - Sevilha/Espanha e Doutoranda em Ciências
Sociais na linha de gênero e igualdade pela Universidade Pablo de
Olavide.
Quase metade das brasileiras sofreu algum tipo de assédio
sexual em 2022, mostra pesquisa do Datafolha
Segundo levantamento encomendado pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, cerca de 30% das mulheres sofreram algum tipo de violência
de gênero no ano passado
Por Bianca Gomes — São Paulo
02/03/2023 10h00
Atualizado há um ano
Quase metade das brasileiras (46,7%) sofreu algum tipo de
assédio sexual no ano passado, mostra pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e divulgada na manhã desta quinta-feira. O
índice é o maior da série histórica do levantamento, que teve início em 2017.
Comparando com os dados do ano passado, houve um aumento de nove pontos
percentuais nos casos de assédio.
De acordo com o instituto, quatro em cada 10 mulheres
afirmam ter recebido cantadas ou comentários desrespeitosos enquanto andavam em
alguma via. Outras 18,6% ouviram cantadas ou comentários impertinentes no
ambiente de trabalho, enquanto 12,8% sofreram assédio no transporte público e
11,2% foram abordadas de maneira agressiva durante uma balada ou festa.
O estudo aponta ainda que o assédio é proporcionalmente
maior entre mulheres jovens. Na faixa etária de 16 a 24 anos, 76,1% passaram
pela situação no último ano.
Em relação à escolaridade, 31,8% das mulheres com ensino
fundamental relataram alguma forma de assédio em 2022. Entre as mulheres com
nível superior, esse percentual chegou a 59,7%. A discrepância, segundo a
pesquisa, pode estar ligada à compreensão do que é assédio, definição que pode
variar na percepção de uma mulher para outra.
“É provável que mulheres mais jovens e que passaram pela
faculdade estejam mais engajadas em debates sobre os direitos das mulheres e,
portanto, tenham uma compreensão mais ampla do que significa assédio sexual”,
diz o levantamento.
A pesquisa quantitativa "Visível e Invisível: a
Vitimização de Mulheres no Brasil" aponta para o recrudescimento da
violência contra a mulher no país: quase 30% das brasileiras sofreram algum
tipo de violência de gênero em 2022, resultado recorde para a série histórica
da pesquisa.
Pela estimativa do instituto, cerca de 18,6 milhões de
mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram atos de violência no ano
passado. Entre as que relataram violência, há uma média de quatro agressões por
ano. Porém, o número salta para nove se consideradas apenas as divorciadas.
— (Contribuiu para o aumento da violência) a redução de
financiamento das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, que
não começou no governo (Jair) Bolsonaro, mas ocorre desde a última década,
muito embora os dados estejam mostrando um aumento da violência ao longo dos
anos— afirma Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
Segundo ela, a ascensão da extrema direita também ajuda a
explicar o cenário:
— Faz com que temas como desigualdade de gênero sejam
combatidos — explica.
O Datafolha entrevistou 2.017 pessoas com mais de 16 anos em
126 municípios brasileiros no período de 9 a 13 de janeiro de 2023. A margem de
erro é de dois pontos para mais ou para menos.
O tipo de agressão mais comum sofrido pelas mulheres foi a
ofensa verbal, quando há insulto, humilhação ou xingamento: 23,1% delas foram
alvo desse tipo de violência. Em seguida, vem perseguição (13,5%), ameaças
(12,4%) e agressão física (11,6%). Depois as ofensas sexuais (9%), espancamento
ou tentativa de estrangulamento (5,4%), ameaça com faca ou arma de fogo (5,1%),
lesão provocada por algum objeto atirado (4,2%) e, por último, esfaqueamento ou
tiro (1,6%)
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública também constatou o
crescimento acentuado de formas de violência grave ao longo do último ano.
Perseguição ou amedrontamento, por exemplo, tidos como um dos indicadores de
risco de morte, saltou de 7,9% para 13,5% em um ano. Batida, empurrão ou chute
foi de 6,3% para 11,6%, mostra a pesquisa.
A violência atinge as mulheres de forma desigual. As que têm
entre 16 e 24 anos foram as principais vítimas em 2022: 43,9% dizem ter sofrido
violência. O percentual também é numericamente maior entre mulheres negras
(29,9%) do que entre brancas (26,3%). Há, ainda, maior vulnerabilidade entre
separadas e divorciadas (41,3%) do que casadas (17%), solteiras (37,3%) e
viúvas (24,6%).
Uma em cada três brasileiras sofreu violência de parceiro
O levantamento também trouxe um dado inédito este ano: uma
em cada três brasileiras (33,4%) sofreu violência física e sexual de parceiro
ou ex-parceiro íntimo ao longo da vida. O Brasil está acima da média mundial,
que é de 27%, segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Se também for levada em conta a violência psicológica, que
engloba humilhações, xingamentos e insultos, por exemplo, o percentual de
mulheres que sofreram algum tipo de violência por parte do parceiro íntimo ao
longo da vida sobe para 43 — uma média de 27,6 milhões de mulheres, se o
resultado for projetado para o universo da população feminina.
As mais vulneráveis a essa violência vinda de companheiros
são as mulheres de 25 a 34 anos (48,9%) e que têm até o ensino fundamental
(49%) — entre o último grupo, inclusive, são mais frequentes situações como ser
“impedida de se comunicar com amigos e familiares por um longo período de
tempo” (18,7%) ou ter “acesso a recursos básicos negados, como assistência
médica, comida ou dinheiro” (19,4%).
As mulheres negras (45%) sofrem proporcionalmente mais
vitimização de parceiros do que as mulheres brancas (36,9%), sendo as mulheres
pretas (48%) ainda mais vulneráveis que as pardas (43,8%).
Casa é lugar de perigo
Mais da metade (53,8%) das mulheres que sofreram violência
afirmaram que o episódio mais grave de 2022 ocorreu dentro de casa. Trata-se de
um aumento de 10 pontos percentuais em relação à primeira edição da pesquisa,
de 2017.
A violência dentro do próprio lar no ano passado foi maior
do que a registrado em 2021, auge do isolamento social da pandemia e quando
48,8% da violência sofrida aconteceu em casa. Outros lugares onde houve
episódio de violência grave no ano passado foram: a rua (17,6%), o ambiente de
trabalho (4,7%) e os bares ou baladas (3,7%).
A maioria (45%) das mulheres, porém, não fez nada em relação
à violência sofrida, mesmo patamar da pesquisa anterior. Apenas 14% denunciaram
à delegacia da mulher, e 8,5% prestaram queixa em uma delegacia comum. O 180,
Central de Atendimento à Mulher, foi usado por só 1,6%.
Quando questionadas sobre o motivo de não terem procurado as
autoridades, 38% dizem que resolveram a situação sozinhas, 21,3% dizem não
acreditar que a polícia possa oferecer uma solução e 14,4% julgam que não
tinham provas suficientes para denunciar. O medo de represálias impediu a
denúncia de 12,8%.
Para as brasileiras, o combate à violência doméstica passa
por punição mais severa aos agressores (76,5%), acesso a especialistas em saúde
mental (72,4%), suporte legal e serviços que orientem a mulher vitimizada
(69,4%), ampliação da divulgação de campanhas para conscientização e orientação
sobre denúncias de violência doméstica para homens e mulheres (67,9%) e
garantia do acesso a necessidades básicas para mulheres em situação de
violência (67,2%).
Pela primeira vez, o estudo apontou o ex-companheiro como o
principal autor da violência (31,3%), seguido pelo atual parceiro íntimo
(26,7%). Esses percentuais vêm crescendo ao longo dos últimos anos. Namorados,
cônjuges e companheiros eram apontados por 19,4% das mulheres como autores de
violência na pesquisa de 2017. Já os ex's, que eram citados por 16% das
mulheres em 2017.
A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo da sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema “A PERSISTÊNCIA DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA AS MULHERES”, apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para a defesa de seu ponto de vista.